Direito Comercial Marlon Tomazette

Suspensão das ações na recuperação judicial – impossibilidade de prorrogação indefinida

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Terceira Turma rejeita pedido para suspender ação até trânsito em julgado de recuperação judicial

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de uma empresa de ônibus para que a ação indenizatória movida por uma passageira fosse suspensa até o trânsito em julgado do seu processo de recuperação judicial.

Para a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, a prorrogação do prazo de 180 dias previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/05) não deve ser aplicada de maneira genérica e indiscriminada.

“A extrapolação do prazo não pode consistir em expediente que conduza à prorrogação genérica e indiscriminada do lapso temporal suspensivo para todo e qualquer processo relacionado à empresa, fazendo-se necessário analisar as circunstâncias subjacentes a cada caso”, disse.

A passageira ajuizou ação de indenização por danos morais alegando ter recebido tratamento indigno do motorista de um ônibus. A sentença negou o pedido de suspensão da ação sob o fundamento de que o prazo da Lei 11.101/05 já havia se exaurido e condenou a empresa a pagar R$ 5 mil de indenização.

Sem previsão legal

No recurso ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), a empresa argumentou que compete ao juízo da recuperação judicial decidir sobre o patrimônio da recuperanda, mas o apelo não foi provido.

A ministra Nancy Andrighi observou que a sentença de encerramento do processo recuperacional já foi proferida pelo juízo competente, e não há na lei nenhum dispositivo que exija o trânsito em julgado dessa decisão como condição para a retomada do trâmite das ações, como pretendia a empresa de ônibus. Ao contrário, salientou a relatora, a lei fala, literalmente, que o prazo de 180 dias é improrrogável.

“As exceções a essa regra autorizadas pela jurisprudência do STJ”, acrescentou, “tão somente vedam que a retomada da marcha processual das ações movidas contra a sociedade recuperanda ocorram automaticamente em razão do mero decurso do prazo de 180 dias. Circunstância bastante diversa, entretanto, verifica-se na hipótese concreta, pois não se cuida de simples esgotamento desse termo, mas sim de processo recuperacional encerrado por sentença.”

Lógica recuperacional

Segundo a ministra, é preciso considerar que cada processo de recuperação envolve fatores complexos, os quais devem ser examinados à luz das normas que consagram a preservação da empresa e a manutenção, na posse do devedor, dos bens de capital essenciais à atividade.

Para ela, manter as ações suspensas por período indiscriminado, mesmo após a aprovação do plano, ofenderia a lógica recuperacional. Os créditos devidos devem ser satisfeitos, sob o risco de decretação de falência, conforme o artigo 73, inciso IV, da Lei 11.101/05. Caso o crédito não integre o plano aprovado, não há impedimento legal ao prosseguimento da ação.

“Não é sequer razoável admitir que, no particular, a recorrida tenha de suportar o ônus que a suspensão pleiteada lhe acarretaria, haja vista a pequena dimensão de seu crédito quando comparado ao porte econômico da empresa e o tempo desde o ajuizamento da ação (aproximadamente seis anos), o que resultaria em afronta ao princípio da efetividade da jurisdição”, concluiu.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1710750

COMENTÁRIO: Também constará obrigatoriamente da decisão que defere o processamento da recuperação judicial a determinação da suspensão das ações e execuções contra o devedor, a chamada automatic stay do direito americano[1]. Tal suspensão visa a dar algum fôlego[2] para que ele possa concentrar seus esforços na negociação do plano de recuperação. A medida visa a beneficiar somente o próprio devedor; havendo outros réus nas ações ou execuções, os processos continuarão em relação a estes[3]. A ideia é manter a situação econômico­‑financeira do devedor, enquanto ele tenta se reorganizar[4].

A proteção dada ao devedor não pode significar um sacrifício desarrazoado para os credores e, por isso, a suspensão não pode ser permanente. Ela será limitada a no máximo 180 dias, contados da publicação da decisão que defere o processamento. Dentro desse prazo, em tese, já deve ter sido concluída a fase deliberativa, concedendo­‑se a recuperação ou decretando­‑se a falência, vale dizer, dentro de tal prazo o devedor já deve solucionar suas relações com os credores. Caso a situação do devedor seja solucionada antes dos 180 dias, pela aprovação do plano de recuperação, cessa a suspensão das ações e execuções.

Todavia, nem sempre a solução da situação do devedor ocorrerá dentro dos 180 dias; apesar disso, tal prazo é improrrogável, ou seja, a suspensão não pode ultrapassá­‑lo em nenhuma hipótese. Mesmo que a negociação dure mais tempo, a suspensão ficará restrita aos 180 dias.

Em casos excepcionais, a jurisprudência[5] tem admitido a extensão desse prazo, em prol do princípio da preservação da empresa. A propósito, o STJ já afirmou que: “Em homenagem ao princípio da continuidade da sociedade empresarial, o simples decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias entre o deferimento e a aprovação do plano de recuperação judicial não enseja retomada das execuções individuais quando à pessoa jurídica, ou seus sócios e administradores, não se atribui a causa da demora”[6].

Todavia, tal prorrogação não pode ocorrer indefinidamente, isto é, devem existir motivos razoáveis e prazos definidos para a eventual prorrogação, sob pena de desvirtuar a própria lógica da recuperação judicial. Os credores não podem e não devem suportar o risco do negócio e, por isso, não é razoável que haja prorrogações indefinidas. Nesse sentido, o STJ afirmou que “Ainda que o STJ possua entendimento assente no sentido de que a regra suspensiva do art. 6º, caput e § 4º, da Lei 11.101/05 comporte, em casos excepcionais, certo temperamento, a extrapolação do prazo previsto não pode consistir em expediente que conduza à prorrogação genérica e indiscriminada do lapso temporal suspensivo para todo e qualquer processo relacionado à empresa recuperanda”[7].

 

[1]. EPSTEIN, David G. Bankruptcy and related law in a nutshell. 6. ed. St. Paul: West Group, 2002, p. 149; TABB, Charles Jordan. The law of bankruptcy. New York: Foundation Press, 1997, p. 146.

[2]. CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 143.

[3]. EPSTEIN, David G. Bankruptcy and related law in a nutshell. 6. ed. St. Paul: West Group, 2002, p. 152; TABB, Charles Jordan. The law of bankruptcy. New York: Foundation Press, 1997, p. 170.

[4]. PIMENTA, Eduardo Goulart. Recuperação de empresas. São Paulo: IOB, 2006, p. 127; BAIRD, Douglas G. Elements of bankruptcy. 4. ed. New York: Foundation Press, 2006, p. 207.

[5]. STJ – CC 79.170/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10­‑9­‑2008, DJe 19­‑9­‑2008.

[6]. STJ – REsp 1.193.480/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 5­‑10­‑2010, DJe 18­‑10­‑2010. No mesmo sentido: STJ – AgRg no CC 101.628/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25­‑5­‑2011, DJe 1º­‑6­‑2011.

[7] STJ – REsp 1710750/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018.

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