Aval em nota promissória sem outorga conjugal é válido, mas ineficaz com relação ao cônjuge que não o consentiu
Sob a vigência do Código Civil de 2002, é válido o aval prestado em notas promissórias sem a outorga conjugal, já que nesses casos se aplica a legislação especial que rege as promissórias, a qual dispensa a autorização do cônjuge.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso e manteve acórdão que julgou válido o aval prestado por uma dupla de empresários sem a assinatura da esposa e da companheira.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, embora a ausência de outorga não tenha o efeito de invalidar o aval, o cônjuge e a companheira não podem suportar com seus bens a garantia dada sem o seu consentimento, e deve ser protegida a meação quanto ao patrimônio comum do casal, conforme decidido no acórdão recorrido.
Fator de insegurança
No caso analisado, a esposa e a companheira dos avalistas recorreram visando a aplicação da regra geral exposta no artigo 1.647 do Código Civil, que trata da outorga conjugal.
A ministra relatora afirmou que a regra da outorga conjugal não deve ser aplicada a todos os títulos de crédito, sobretudo aos típicos ou nominados, como é o caso das notas promissórias, já que a lei especial aplicável ao caso (Lei Uniforme de Genebra) não impõe essa mesma condição.
“Condicionar a validade do aval dado em nota promissória à outorga do cônjuge do avalista, sobretudo no universo das negociações empresariais, é enfraquecê-lo enquanto garantia pessoal e, em consequência, comprometer a circularidade do título em que é dado, reduzindo a sua negociabilidade; é acrescentar ao título de crédito um fator de insegurança, na medida em que, na cadeia de endossos que impulsiona a sua circulação, o portador, não raras vezes, desconhece as condições pessoais dos avalistas”, disse a ministra.
Intenção louvável
Nancy Andrighi lembrou que no Código Civil de 1916 bastava uma simples declaração por escrito para prestar aval, mas o novo código passou a exigir do avalista casado a outorga conjugal, exceto no regime de separação absoluta de bens, sob pena de o ato ser tido como anulável.
A relatora destacou que é louvável a intenção do legislador de proteger o patrimônio da família, mas esse intuito deve ser balizado pela proteção ao terceiro de boa-fé, à luz dos princípios que regem as relações cambiárias.
“Convém ressaltar que os títulos de crédito são o principal instrumento de circulação de riquezas, em virtude do regime jurídico-cambial que lhes confere o atributo da negociabilidade, a partir da possibilidade de transferência do crédito neles inscrito”, comentou.
A relatora disse ainda que esses títulos estão fundados em uma relação de confiança entre credores, devedores e avalistas, na medida em que os atos por eles lançados na cártula vinculam a existência, o conteúdo e a extensão do crédito transacionado.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1644334
COMENTÁRIOS: A princípio, o aval exigirá apenas a declaração de vontade do avalista, que poderá ser acompanhada da indicação do avalizado ou de qualquer expressão que especifique a intenção das partes. A LUG nada mais menciona no que tange às formalidades do aval. Do mesmo modo, o Decreto n. 2.044/1908 e toda a legislação estrangeira sobre o assunto.
Todavia, com o advento do Código Civil, passou a constar no art. 1.647 a exigência de outorga conjugal no aval dado por pessoas casadas, salvo no regime da separação absoluta. Assim, pessoas casadas pela comunhão universal ou pela comunhão parcial só poderão dar aval se obtiverem a concordância dos respectivos cônjuges.
Em razão do caráter supletivo da aplicação do Código Civil, Bruno Vaz de Carvalho sustenta que “sempre que a lei especial previr que o aval decorrerá de simples ato praticado pelo avalista, sem que concorra outro requisito ou condição, a norma do Código Civil cederá e não se aplicará”[1]. Nessa interpretação, a exigência de outorga conjugal só se aplicaria aos chamados títulos atípicos. O STJ já acolheu tal interpretação afirmando que: “É imprescindível proceder‑se à interpretação sistemática para a correta compreensão do art. 1.647, III, do CC/2002, de modo a harmonizar os dispositivos do Diploma civilista. Nesse passo, coerente com o espírito do Código Civil, em se tratando da disciplina dos títulos de crédito, o art. 903 estabelece que ‘salvo disposição diversa em lei especial, regem‑se os títulos de crédito pelo disposto neste Código’”[2]. Essa pode ser considerada a posição majoritária hoje em dia.
Sendo válido o aval em títulos típicos, sem a outorga do cônjuge, é possível apenas proteger a meação do cônjuge que não anuiu.
[1]. CARVALHO, Bruno Vaz de. Aval e outorga no casamento e na união estável. In: ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Temas de direito civil‑empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 464‑465.
[2]. STJ, 4ª Turma, REsp 1633399/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10‑11‑2016, DJe 1º‑12‑2016. No mesmo sentido: REsp 1526560/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 16‑3‑2017, DJe 16‑5‑2017; REsp 1644334/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 23/08/2018