PROCESSO |
REsp 1.642.118-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, por maioria, julgado em 12/09/2017, DJe 20/02/2018 |
RAMO DO DIREITO | DIREITO EMPRESARIAL |
TEMA | Ação regressiva. Condenação ao pagamento de diferença de ações. Debêntures conversíveis em ação preferencial. Cisão parcial. Dívidas próprias de natureza societária. |
DESTAQUE |
Cabe ação de regresso para ressarcimento de condenação relativa a obrigações tipicamente societárias suportada exclusivamente por empresa cindida contra empresa resultante da cisão parcial, observando-se a proporção do patrimônio recebido. |
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR |
Trata-se de ação de regresso ajuizada por empresa cindida contra empresa resultante de cisão parcial, a quem imputou a obrigação de arcar com parte de condenação, oriunda de demanda judicial apreciada antes da divisão empresarial, em que sustenta a existência de responsabilidade solidária entre as empresas, na medida em que a condenação decorreu da diferença de quantidade de ações subscritas em razão do exercício de conversão de debêntures correspondentes. De início, importante destacar que a cisão envolve duas classes de obrigações: a) obrigações tipicamente societárias, decorrentes do vínculo societário que agrega os acionistas; e, b) obrigações cíveis lato sensu, advindas da apuração do patrimônio líquido da sociedade cindida. No tocante à primeira classe, nos termos do art. 229, § 1º, da Lei das Sociedades Anônimas (LSA), verifica-se que haverá indiscutível sucessão de direitos e obrigações relacionados no protocolo de cisão. Com efeito, da cisão decorrerá o aumento de capital da empresa destinatária, que absorverá a parcela do patrimônio líquido cindido a título de integralização das ações subscritas em benefício dos sócios da empresa cindida. Assim, há um completo entrelaçamento do quadro societário das empresas em negociação. A atribuição de participação societária na empresa receptora aos sócios da empresa cindida, na medida em que configura elemento essencial do instituto jurídico, não pode ser afastada por mera disposição contratual, sob pena de absoluto desvirtuamento do instituto jurídico. Não é por outra razão que a liberdade contratual para alteração da proporcionalidade entre as novas ações subscritas no ato de incorporação do patrimônio cindido e as correspondentes ações da empresa cindida, por expressa disposição legal, demanda a anuência de todos os sócios, inclusive daqueles sem direito a voto, conforme dispõe o art. 229, § 5º, da LSA. Por sua vez, a segunda classe de obrigações titularizadas pela sociedade trata da mera quantificação e especificação do objeto transferido na cisão, elemento sem dúvida relevante inclusive para a verificação da proporcionalidade de ações a serem subscritas em favor dos sócios. Quanto à parcela patrimonial, o tratamento legal é tão distinto em relação às obrigações societárias a ponto de nem sequer se exigir a participação (votação) dos sócios sem direito a voto. Isso porque a cisão será deliberada pela Assembleia-Geral, ainda que reunida extraordinariamente e mediante quorum qualificado, na esteira do que definem os arts. 121 e 136, IX, da Lei n. 6.404/1976, sem resguardar o direito de recesso ao sócio dissidente. Com isso, conclui-se que o tratamento legal dispensado aos credores societários não se confunde com a proteção legal atribuída aos credores cíveis da sociedade parcialmente cindida. Enquanto para estes é imprescindível a verificação do protocolo de cisão e da relação patrimonial envolvida, a fim de se extrair a extensão do patrimônio transferido, naquele impõe-se tão somente a manutenção da proporção das ações ou a existência de deliberação social específica e unânime em sentido diverso. No caso analisado, tem-se que a natureza da obrigação debatida é inquestionavelmente de direito societário, porquanto se refere ao quantitativo de ações correspondentes àquele debenturista a partir da opção por converter suas debêntures em proporção inferior àquela posteriormente reconhecida na sentença – descompasso este que gerou reflexos na proporção de ações percebidas na empresa sucessora, representando, assim, o liame obrigacional entre as empresas sucessoras e cindida. Daí pela sucessiva extensão ou “transferência” do benefício auferido aos demais sócios e sociedades envolvidos, em contraposição ao prejuízo suportado individualmente pelo acionista em questão, é devido o reconhecimento de que as empresas sucessoras devem suportar a indenização na exata proporção da participação do benefício, igualmente auferido. Por via de consequência, é devida a ação de regresso para ressarcimento pela empresa resultante da cisão, observando-se a proporção do patrimônio cindido recebido. |
COMENTÁRIOS: Havendo cisão total, as sociedades que recebem o patrimônio da sociedade são solidariamente responsáveis pelas obrigações anteriores à cisão, relacionadas ou não no ato da cisão. Tal responsabilidade, embora solidária, é limitada ao valor do patrimônio recebido, isto é, o credor pode demandar qualquer sociedade que tenha recebido o patrimônio da cindida, mas receberá desta, no máximo, o equivalente ao patrimônio vertido[1]. Neste caso, há uma sucessão a título universal[2], que em muito se assemelha a uma sucessão causa mortis e, por isso, deve haver a limitação da responsabilidade, apesar da solidariedade.
Na cisão parcial, há solidariedade entre a sociedade cindida e as sociedades que receberam parte do seu patrimônio pelas obrigações anteriores à data da operação. Mais uma vez, há o limite do valor do patrimônio transferido. Todavia, pode haver estipulação no sentido de determinar em quais obrigações haverá a sucessão. Neste caso, os credores podem se opor, em até 90 dias da publicação dos atos, notificando a sociedade, por qualquer meio. Embora se trate de regra constante da Lei n. 6.404/76, entendemos que ela continua sendo aplicada às demais sociedades, ante a disciplina incompleta dada pelo Código Civil.
Todavia, em relação aos credores societários, tal regime não prevalece. A propósito, o STJ afirmou que “conclui-se que o tratamento legal dispensado aos credores societários não se confunde com a proteção legal atribuída aos credores cíveis da sociedade parcialmente cindida. Enquanto para estes é imprescindível a verificação do protocolo de cisão e da relação patrimonial envolvida, a fim de se extrair a extensão do patrimônio transferido, naquele impõe-se tão somente a manutenção da proporção das ações ou a existência de deliberação social específica e unânime em sentido diverso”[3].
[1] FERRARA JUNIOR, Francesco e CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le società. 11. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 928.
[2] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 4, tomo 1, p. 293.
[3] STJ – REsp 1642118/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 20/02/2018