Direito Comercial Marlon Tomazette

Marcas X Nome de Domínio

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Assim, o direito de impedir o uso de marca que gere confusão com a marca anteriormente registrada abrange apenas os ramos de atuação que guardem uma afinidade mercadológica com os ramos para os quais aquela marca foi registrada, porquanto mesmo se não estiverem catalogados na mesma classe, se dois produtos estão inseridos no mesmo segmento mercadológico, é possível a ocorrência de confusão em relação ao público consumidor. Esse é o princípio da especialidade.

O STJ já afirmou reiteradas vezes que “o direito de exclusividade de uso de marca, decorrente do seu registro no INPI, é limitado à classe para a qual é deferido, não sendo possível a sua irradiação para outras classes de atividades”.[1] A ideia de classe aqui deve ser entendida de forma um pouco mais ampla, no sentido de áreas de atuação afins e não apenas identidade de classe propriamente. Em suma, pelo princípio da especialidade, marcas semelhantes podem coexistir no mercado para assinalar produtos distintos, sem afinidade mercadológica;[2] vale dizer, tratando-se de áreas afins não pode haver a coexistência de marcas de diferentes titulares. Em outras palavras, o “princípio da especialidade não se restringe à Classificação Internacional de Produtos e Serviços, devendo levar em consideração o potencial concreto de se gerar dúvida no consumidor e desvirtuar a concorrência”[3].

O titular de uma marca só terá direito de impedir o uso da sua marca em determinado nome de domínio se tal uso representar uma prática desleal, eivada de má-fé.[4] Havendo um uso pacífico, não há o que se impedir. Apenas quando o nome de domínio gerar confusão e desvio de clientela é que haverá uma prática ilegal, capaz de ensejar a tomada de medidas pelo titular da marca. Obviamente no caso das marcas notoriamente conhecidas e de alto renome, pela sua força, a proteção deve ser maior,[5] estendendo-se para todos os sites, na medida em que ninguém de boa-fé registraria um site com uma marca de alto renome ou notoriamente conhecida.

Veja-se a notícia da decisão do STJ:

Registro de marca no INPI não garante exclusividade de uso do nome em site

A existência de registro de marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não justifica, por si só, a proteção do direito de utilização do nome em ambientes virtuais, devendo ser avaliadas questões como o ramo de atividade das denominações supostamente em conflito e a existência de alto renome de alguma das marcas.

O entendimento foi adotado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar pedido de cancelamento de registro eletrônico de site por suposto conflito com uma marca de cosméticos. A decisão foi unânime.

A ação originária foi proposta pelas empresas DM Indústria Farmacêutica Ltda. e Papyrus, que alegaram ser titulares da marca Paixão, utilizada para comercialização de linha de perfumaria e cosméticos.

Segundo as empresas autoras, apesar do registro de marca, a empresa Plano Serviços de Internet Ltda. obteve o registro do site de relacionamentos amorosos paixao.com.br, concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp). Sob a alegação de ofensa ao seu direito de propriedade, as requerentes pediram o cancelamento do registro eletrônico do domínio.

Ramos diferentes

O pedido foi julgado improcedente em primeira instância. O juiz entendeu que o registro de domínio virtual não ofendia outros direitos ou marcas registradas com o mesmo nome, pois elas pertenciam a ramos diferentes. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em recurso especial, a DM e a Papyrus insistiram no argumento de que eram proprietárias da marca Paixão e, dessa forma, tinham direito exclusivo à sua utilização em todo o território nacional. Elas também defenderam o combate à pirataria cibernética, com a repressão da má utilização de nomes ou marcas famosas na web e da venda ou aluguel dos domínios por preços elevados aos titulares dos produtos no mercado.

Exceções à exclusividade

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o direito de uso exclusivo da marca não é absoluto, havendo possibilidades de limitação por princípios como o da especialidade. De acordo com o princípio, regulado pelo artigo 124 da Lei 9.279/96, a exclusividade do uso de sinal distintivo é possível apenas a produtos ou serviços idênticos, tendo em vista a possibilidade de indução do consumidor a erro.

A mesma legislação prevê exceções ao princípio da especialidade, como no caso de marca de alto renome, definida pelo INPI como aquela reconhecida por ampla parcela do público e de sua flagrante capacidade de atrair os consumidores “em razão de sua simples presença”.

“O reconhecimento administrativo da marca como de alto renome (incumbência conferida, exclusivamente, ao INPI) assegura-lhe proteção em todos os ramos de atividade e não apenas em relação a produtos idênticos, semelhantes ou afins, afastando, assim, o princípio da especialidade”, disse o ministro.

Sem prejuízo

No caso julgado, o relator entendeu que o registro virtual do nome “paixão” não trouxe prejuízo às empresas detentoras dos produtos cosméticos, já que a atividade do site de internet – aproximação de pessoas para relacionamentos amorosos – não gera confusão para os consumidores.

“Ademais, o referido signo distintivo (‘paixão’) não caracteriza marca de alto renome, a ser protegida em todos os ramos de atividade, o que poderia, em princípio, a depender do caso concreto, justificar a vedação de registro de nome de domínio equivalente. É que tal condição deve ser reconhecida, na via administrativa, pelo INPI (único órgão competente para tanto), o que não ocorreu”, afirmou o ministro ao lembrar da existência de vários registros do nome “paixão” em segmentos mercadológicos diversos.

[1] STJ – 4ª Turma – RESP 142.954/SP, Relator. Ministro BARROS MONTEIRO, DJ de 21/9/1999.
[2] OLIVEIRA, Maurício Lopes de. Propriedade industrial: o âmbito de proteção da marca registrada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 47.
[3] STJ – REsp 1258662/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2016, DJe 05/02/2016.
[4] FONTES, Marcos Rolim Fernandes. Nomes de domínio no Brasil: natureza, regime jurídico e solução de conflitos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 169-180.
[5] TESSLER, Leonardo Gonçalves. Aspectos controversos da difícil relação entre marca e nome de domínio na Internet. In: BAPTISTA, Luiz Olavo e FERREIRA, Ivette Senise (Coord.). Novas fronteiras do direito na era digital. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41.

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